domingo, 13 de agosto de 2017

A ORIGEM DA ARTE

Da História da Arte Antiga
Winckelmann
                 As artes que dependem do desenho começaram, como todas as invenções, pelo necessário; em seguida procurou-se o belo, e deram enfim nu supérfluo; tais são os três princípios da arte. 
As mais antigas notícias dizem-nos que as primeiras figuras desenhadas só oferecem do homem o contorno, e não o verdadeiro aspecto. Desta simplicidade de fórmulas passou-se das proporções, o que deu a precisão. Depois aumentou a segurança, e ousou subir até ao grande, processo pelo qual a arte chegou pouco a pouco ao sublime e atingiu entre os gregos a mais alta beleza.  Depois de se terem combinado todas as partes e de se terem procurado os ornamentos, caiu-se no supérfluo, desde esse momento perdeu-se de vista a grandeza da arte, e veio a sua completa decadência. 
                Tal é, em poucas palavras, o objeto desta História da arte. Neste capítulo tratar-se-á: primeiro da arte antiga em geral; em segundo lugar, das diferentes matérias empregadas na escultura; e em terceiro lugar, da influência do clima sobre a arte. 
                A arte começou pela configuração mais simples, provavelmente por uma espécie de escultura; porque até  uma criança pode dar uma certa forma a uma massa mole, mas não poderia traçar coisa alguma sobre uma superfície plana; porque para modelar basta ter a noção duma coisa,enquanto para desenhar, é preciso possuir muitos outros conhecimentos; o que não impediu que a pintura se tornasse depois a decoradora da escultura. 
                Parece que a arte se originou da mesma maneira em todos os povos que a cultivaram, e não há razão nenhuma bastante forte  para se lhe designar uma pátria particular.  Como as primeiras estátuas parecem ter representado imagens de divindades, concluiremos que a época da invenção da arte remonta mais ou menos alta, segundo a antiguidade das nações e a introdução precoce ou tardia do culto; de modo que é muito provável que os Caldeus e os Egípcios começassem antes dos Gregos a representar exteriormente os atos espíritos que veneravam. Dá-se aqui o que se dá com outras artes e descobertas; a prática de tingir com púrpura foi conhecida e exercida nos países orientais muito antes do que nas outras partes. As notícias que a "Escritura Sagrada" nos dá das imagens esculpidas são muito anteriores a tudo o que a esse respeito sabemos dos gregos. As imagens trabalhadas primitivamente em madeira, e as vazadas em ferro fundido, tem todas a sua denominação particular na língua hebraica; com o correr dos tempos, as primeiras foram douradas ou revestidas de lâminas de ouro. Mas o erro daqueles que falam da origem dum uso ou duma arte, e da sua comunicação de um povo a outro, vem ordinariamente de que considerem partes isoladas que tem semelhanças entre si, e que tiram dai conclusões gerais; foi assim que Dionísio de Helicarnasso, falando do cinto de que se cingiam os lutadores gregos, assim como os romanos, pretendem que este tinham tirado esse uso daqueles. 
                A arte florescia nos egípcios desde tempos imemoráveis, e se é certo que Sosostris viveu quatro séculos antes da guerra de Troia, os grandes obeliscos que se acham em Roma existiam já nesse reino e já se tinham construído as obras desse monarca como os vastos edifícios de Tebas,  enquanto sobre a arte dos gregos pairavam ainda as trevas e a escuridão. 
                Na Grécia, se bem que muito mais tarde que nos países orientais, a arte começou por um tão grande simplicidade, que os gregos, em vez de tirarem os primeiros germens artísticos de qualquer outro povo, poderiam muito bem ser os seus primeiro inventores. Veneravam já sob forma visível trinta divindades numa época em que se não representavam ainda sob a  forma humana e se contentavam de as designar por cepo informe ou por uma pedra quadrangular, como faziam os árabes e as amazonas. Assim eram figuras de Juno de Thespis e a Diana de Ícaro. A Diana Patroa e Júpiter Milichus de Corintho, assim como a antiga Vênus de Paphos, não eram mais do que uma espécie de colunas.  Baco foi venerado sob a forma duma coluna, e até o Amor e as Graças foram representadas por simples pedras. É por isso que a palavra coluna significava uma estátua ainda nos melhores tempos da Grécia. Entre os espartanos Castor e Pólux tinham a forma de dois madeiros transversais; e essa antiquíssima figura chegou até nós no sinal II, por que não representados os dois gêmeos do Zodíaco. 
                 Com o tempo colocaram cabeças sobre essas pedras; entre várias estátuas dessa espécie, havia um  Neptuno em Tricoloni e um Júpiter em Tegea, ambos na Arcádia, porque os gregos dessa região conservavam mais do que os de qualquer outra parte a antiga forma da arte. Manifesta-se  assim nas primeiras imagens dos gregos uma concepção e uma criação original. Também a "Sagrada Escritura" nos fala de certos ídolos do paganismo que de humano só tinham a cabeça? Essas pedras quadrangulares com cabeças foram, como é sabido, denominadas pelos gregos Hermes, isto é,  grandes pedras, denominação conservada constantemente pelos artistas. 
                 Depois desse primeiro esboço, deste primeiro bosquejo duma figura, vamos examinar a sua formação progressiva, segundo o testemunho dos escritores e dos monumentos da antiguidade. Nestas pedras encimadas por uma cabeça, notava-se apenas no meio delas a diferença dos sexos, que um rosto indefinido deixava em dúvida. Quando se diz que Eumarus de Atenas foi o primeiro que indicou na pintura a diferença dos sexos, isto não se deve entender senão da conformação do rosto nas idades juvenis; este artista viveu antes de Rômulo e nao muito depois do restabelecimentos dos jogos olímpicos por Iphitus. 
                 Enfim, segundo a opinião mais geral, Débalo começou a dar à parte inferior destas estátuas a forma de pernas; e como ainda não se sabia fazer em pedra figuras humanas inteiras, este artista trabalhou em madeira, e a ele devem, segundo parece, as primeiras estátuas, o nome de Dedali. Dá-nos a sua opinião sobre este artista um estatuário do tempo de Sócrates; se Dédalo, diz ele, voltasse ao mundo, e se pusesse a fazer obras como aquelas que correm com o seu nome, tornar-se-ia, como dizem os estatuários, ridículo a todos os olhos. 
                Os primeiro ensaios destas figuras eram, entre os  Gregos, formados de linhas simples e a maioria das vezes retas, e sabe-se que não houve nenhuma diferença entre o começo da arte nos Egípcios, Etruscos e Gregos, como o certificam os antigos escritores; o que se prova também por uma das mais antigas figuras gregas de bronze, existente no Museu de Mani, em Veneza...  É a esta maneira que se deve atribuir a semelhança dos olhos nas cabeças das antigas medalhas gregas e nas figuras egípcias; tanto numas como noutras, são chatos e alongados. Os primeiros quadros eram monogramas, como Epicuro denominava os deuses, isto é, apresentam apenas o contorno da sombra dum homem. 
                Formou-se assim com essas primeiras linhas e primeiras formas uma figura artística, que se chama ordinariamente egípcia. Os Gregos não teriam muita ocasião de aprender qualquer coisa dos Egípcios; porque antes do reinado de Psamético, o acesso do Egito era impedido a todos os estrangeiros, e já antes desse tempo os Gregos cultivavam as artes. Demais, o que os sábios que viajavam no Egito tinham em vista era principalmente a forma de governo daquele país. Mais verossímil seria a opinião dos que fazem vir todas as descobertas do Oriente, se atribuíssem essa influência aos Fenícios, com que os Gregos tiveram muito remotas relações comerciais e a que deviam, por intermédio de Cádmo, o seu primeiro alfabeto. Desde os tempos mais antigos, antes mesmo de Ciro, que com os Fenícios estavam aliados os etruscos, poderosos no mar, como o prova, entre outras coisas, a esquadra comum que eles equiparam contra os Focenses. 
                  Havia entre os artistas desses três povos, um uso comum: o de porem inscrições nas suas obras. Os Egípcios colocavam-nas sobre a base e nas colunas que sustentavam as figuras, mas os Gregos primitivos, como os Etruscos, punham-nas sobre as próprias figuras. Em Elis, sobre a coxa da estátua dum vencedor de jogos olímpicos estavam inscritos dois versos gregos, e num mesmo lugar, na ilharga dum cavalo, obra dum certo Dionísio de Árgus, estava gravada uma inscrição. Também Myron colocou ainda o seu nome sobre a coxa dum Apolo, com letras gravadas em prata...
                  A ciência dos Etruscos e dos Gregos fez com que eles saíssem das linhas retas das primeira figuras, em que ficaram os Egípcios. Mas com os Etruscos, a ciência precedeu a beleza, e como é fundada em regras rígidas, começou a ensinar com uma limitação rigorosa e severa, e o desenho tornou-se correto, mas anguloso, e significativo, mas duro e muitas vezes exagerado, como vemos nas escultura dos tempos modernos aperfeiçoada por Miguel Ângelo. Neste estilo foram executados baixos relevos em mármore e pedra gravadas, que serão indicadas no lugar conveniente; e este era o estilo que os antigos escritores comparam com o dos Etruscos e de que, como parece, a escola de Egina se apropriou; por isso que foram os artistas  dessa ilha, que era habitada por Dórios, que mais tempo o conservam. 

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