quarta-feira, 16 de agosto de 2017

O GRUPO DO LAOCOONTE E O APOLO DO BELVEDER

Esta escultura de mármore, também conhecida como Laocoonte e seus Filhos, está no Museu do Vaticano e é uma das mais importantes obras do mundo antigo.


                  No meio de tantas obras primas desaparecidas, e a atestar a magnificência dessa época que produziu tantas, salvou-se da destruição uma obra famosa, para maravilha de todo o mundo. Refiro-me ao Laocoonte  com os dois filhos, Obra de Agezandro, Apollodoro e Athanadoro,  de Rhodes...  Sabe-se que já ma antiguidade se preferia esta obra a todos os quadros e a todas as estátuas, e merece tanto mais a atenção e a admiração da posteridade quanto é certo que ela nunca produziu nada que se lhe pudesse comparar. O filósofo acha nela uma matéria de reflexões e o artista um assunto inesgotável de estudo, e ambos eles podem convencer de que esse primor oculta ainda mais belezas do que as que a vista descobre, e que o gênio do artista era bem maior do que a sua obra. 
                 Laocoonte é uma natureza entregue à mais alta dor imaginável, representada na figura de um homem que procura reunir contra ela todas as forças conscientes do espírito. Enquanto o sofrimento lhe intumesce os músculos e lhe repuxa os nervos vê-se toda a força do seu espírito, armada contra a dor na sua testa franzida, e o seu peito oprimido pela respiração e pelo constrangimento elevar-separa esconder e concentrar o tormento que lhe vai na alma. Os medrosos suspiros que retem em si o seu hálito que esconde no seu ser, comprimem-lhe o abdômen e escavam-lhe as ilhargas, de maneira a revelar-nos os movimentos das suas vísceras. Mas os seus próprios sofrimentos parecem angustiá-lo menos do que os padecimentos de seus filhos, que fixam os olhos no rosto do pai e lhes gritam por socorro; porque a ternura paterna transparece-lhe nos olhos compadecidos e a compaixão parece nadar neles como num vapor sombrio. A sua fisionomia exprime os lamentos, e não os gritos; os seus olhos dirigem-se para o auxílio supremo. A boca é cheia de ansiedade e o lábio superior, puxado para cima com um movimento de amargura, como num sofrimento imerecido e indigno, levanta-se até ao nariz, incha-o e faz ver as narinas dilatadas e levantadas. 
                  Por baixo da testa representa-se com a maior intensidade essa luta entre a dor e a resistência, como aglomerada num ponto, porque enquanto a dor fez alçar as sobrancelhas, o esforço comprime a carne acima do olho e fá-la descer até a pálpebra inferior, que se acha quase inteiramente coberta pela carne. O artista, não podendo embelezar a natureza, procurou dar-lhe maior desenvolvimento, maior contenção, maior vigor; ali mesmo onde ele colocou a maior dor, transparece também a maior beleza. O lado esquerdo, em que a serpente com sua furiosa mordedura espalha a peçonha, é aquele que pela proximidade do coração mais parece sofrer; esta parte do corpo de Laocoonte pode ser considerada como uma maravilha de arte.  As pernas querem-se-lhe erguer, para escapar do mal; nenhuma parte está em repouso; e os golpes mesmo do cinzel aumentam a expressão dessa   pele transita.
                  A estátua de Apolo é o supremo ideal de arte em todas as obras dos antigos que escaparam à destruição dos tempos. O artista compôs uma figura puramente ideal e apenas empregou o bocado essencialmente necessário para realizar a sua ideia e torná-la visível. Este Apolo exerce todas as outras representações do mesmo deus num grau igual àquele em que o Apolo de Homero exerce o que descrevem os restantes poetas. A sua estatura eleva-se acima dos homens, e a sua atitude anuncia a grandeza que encerra. Uma primavera eterna, como a que existe nos afortunados Elísios, lhe reveste a formosa virilidade duma juventude aprazível e lhe brinca com doce meiguice na soberba estrutura dos seus membros. Para compreender esta obra prima é preciso ir em espírito ao reino da beleza incorpórea e experimentar tornarmo-nos os criadores duma natureza celeste para encher o espírito de uma beleza como não há no mundo real. Porque ai não há nada mortal nem que esteja sujeito às necessidades humanas. Nenhuma veia, nenhum nervo, aquece e agita esse corpo, mas um espírito celeste, que circula como um doce eflúvio, enche, por assim dizer, todo o contorno daquela estátua. 
                   Acaba de perseguir Python, contra quem brandia pela primeira vez o seu arco; alcançou-o na sua rápida carreira, deu-lhe a morte. Do ato da sua satisfação, dirige o augusto olhar como para o infinito, muito para além da sua vitória. Lê-se o desdém nos seus lábios e a indignação que em si abriga, dilata-lhe as narinas e sobe-lhe até à fronte soberba. Mas a paz, que nela paira numa bonança bem-aventurada, mantém-se inalterável, e os seus olhos estão cheios de doçura, como no meio das musas, quando elas o procuram abraçar. Em todas as figuras que nos restam  do Pai dos Deuses e que a arte reverencia, nenhuma há que se aproxime da grandeza com que ele se manifestou ao gênio do poeta divino (Homero), mas aqui na fisionomia do filho, acha-se reunidas as belezas individuais de todas as outras divindades, como em Pandora. Uma fronte de Júpiter, que está prenhe da deusa da sabedoria, e umas sobrancelhas que nos seus movimentos manifestam a vontade do deus; uns olhos da rainha dos deuses arqueados com majestade, e uma boca que, como a do amoroso Baco, respira a volúpia. A cabeleira flexível flutua-lhe em torno da cabeça, como os tenros sarmentos da vinha quando os agita uma brisa suave. Parece ungida com a essência dos deuses, e foram as Graças que, com uma majestade encantadora lha foram atar no alto da cabeça. À vista desta maravilha da arte, esqueço todo o universo e tomo uma atitude de espírito elevado para a contemplar com dignidade. O peito dilata-se-me e eleva-se de admiração, como aqueles que eu vejo cheios do espírito das profecias, e sinto-me transportado a Delfos e aos bosques de Lícia, lugares que Apolo honrava com sua presença. Efetivamente, a imagem que tenho diante dos olhos torna-se vida e movimento, como a beleza aos olhos de Pigmalião. Como poder pintá-la e descrevê-la! A ideia que acabo de dar desta imagem, eu a deposito aos seus pés, como aqueles, que vindo para coroar os deuses com as suas grinaldas, lhas punham  aos pés, por não poderem atingir as suas cabeças. 

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